quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O Ter e o Ser

Esse meu artigo também foi publicado no Hôtelier News. Clique AQUI.
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Para fechar o ano de 2010, escrevi um artigo com algumas palavras que sempre me inspiraram: "O benefício do fracasso e a vantagem da imaginação".

Entendendo que o final de um ano é momento de reflexão e planos e, novamente, peço licença para, dessa vez, compartilhar alguns trechos do livro Mercenário ou missionário, autobiografia de Victor Siaulys (1936 - 2009).

Posso apresentá-lo de diversas maneiras:

- Fundador e presidente do Conselho de Administração do Aché Laboratórios Farmacêuticos (seu lado "mercenário");
- Membro efetivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República;
- Como hoteleiro, fundador e proprietário dos hotéis Unique São Paulo e Unique Garden, ambos obras arquitetônicas de seu grande amigo de infância Ruy Ohtake.
Mas vou me referir aqui simplesmente ao "seu Victor", idealizador e Presidente do Conselho Deliberativo da Laramara, Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual (seu lado "missionário", motivado pelo nascimento de sua filha caçula Lara, deficiente visual).

Seus valores humanos e humanitários estão incrivelmente presentes no Unique Garden, onde o conheci e encantei-me pela sua história. O local foi todo idealizado para receber crianças com deficiência visual, que encontram lá um paraíso das sensações. Não é à toa que a dica é passear pelos jardins com os olhos fechados.
Gostaria de transcrever o livro inteiro aqui. Todos nós temos muito a aprender com esse grande brasileiro, idealista, ousado e, acima de tudo, um ser humano maravilhoso.

(foto: Gabriela Otto)

"O Ter
Em uma empresa competitiva, você não pode SER, você tem que negociar permanentemente, aprender a se proteger e criar armaduras. Tem que aprender a olhar para dentro e ouvir a si mesmo, mas isso exige muita coragem. Mesmo porque o medo de perder tudo que acumulou na sua conta é muito forte.

Quando a ambição fisga o SER o arrebanha para o TER?

Em que momento se instala o fascínio do sucesso, do controle, do domínio, do poder e do dinheiro?

A história dessa química invade a alma, inebria a mente.

O TER pode ser mau, mas é bom.

Como TER sem SER?

É o dilema shakesperiano, o que ter e o que não ter?

É da condição humana querer tudo. E tanto Hollywood quanto os comerciais de cigarros ou revistas com fotos de celebridades nos mostram isso todos os dias: os bem-sucedidos são os que têm dinheiro, mulheres, aviões, cavalos, ilhas e castelos. Todos nós queremos ter sucesso na vida. Os mais valiosos adoram ser medidos pelo seu saldo bancário, ou por sua lista de propriedades.

A ambição faz parte do ser humano. É a força do TER sobrepujando o SER.

O que importa é TER. Você é avaliado pelos seus pares por aquilo que tem. Com um pouco de habilidade e competência pode TER tanto quanto sua ambição alimente. TER bens depende da nossa capacidade mercenária de gerar lucro.

A felicidade é TER mais coisas. TER bastante dinheiro para consumir as prateleiras do shopping.

Imitando meu irmão Frei Betto, adoro fazer passeios socráticos pelos shoppings, para saber tudo o que não preciso TER para ser feliz?

Não dá para ser feliz quando se tem um grande apego às coisas materiais. É o desejo de TER que move os homens. O desejo de ter mais e mais.

O dinheiro mal-amadoO meu desapego ao dinheiro não decorre de qualquer atitude mística ou religiosa. Acho até que foi consequência do convívio com alguns indivíduos claramente mesquinhos. Indivíduos bem-sucedidos, ricos mesmo, que permanentemente se queixam da falta de dinheiro e buscam sempre uma nova oportunidade de ganhar 'mais algum'. Pessoas assim, certamente nunca dormem direito. E quando o fazem, por poucas horas, deve ser sob estresse permanente. Começam perdendo a saúde para conseguir o dinheiro. E terminam por perder o dinheiro para tratar da saúde. Passam pelo mundo mirando ansiosamente o futuro e se esquecem do presente. Acabam por desperdiçar tanto o presente quanto o futuro.

Aprendi com um rabino: se quiser avaliar uma pessoa, procure observar a maneira como ela se comporta diante de três coisas: sexo, tempo e dinheiro.

Madre Teresa de Calcutá disse: 'Não nos contentemos simplesmente em dar dinheiro. Dinheiro não é o suficiente, dinheiro pode ser conseguido, mas eles (as pessoas) precisam de nossos corações para amá-los. Portanto, espalhem amor por onde passarem'.
O Ser
O SER é mais complexo, exige moral e ética. Comprometer-se com uma causa. Ter uma missão. Participar de um desafio. Não é necessário ter uma religião. Os textos sagrados nos dizem que o que salva o homem não é a sua religião, mas a sua crença. Juntar-se a amigos verdadeiros, identificados pelos mesmos ideais e pela mesma ética social. A felicidade do TER é efêmera. O significado de nossa vida é o SER. Ele é eterno. A maioria das pessoas insiste em comprar a felicidade para preencher o seu vazio existencial, como dizia Jung.

Todos os grandes mercenários que conheci são grandes dissimulados, falam com absoluta convicção. São eloquentes nos seus falsos argumentos, mas dissonantes na hora em que expressam a verdade. Habituado ao convívio com cegos, aprendi que, quando falamos a verdade, nossa voz tem um tom quase musical. Quando mentimos, nossa voz sai do tom. A falsidade é dissonante.

Sobreviver no mundo empresarial é viver um jogo, em que você tem que aprender as regras e como burlá-las. Assim, o blefe e pequenas infrações vão fazendo parte do esquema. Embora vencer ou perder façam parte do jogo, ninguém entra para perder. No mundo corporativo não existe concorrente que mereça ser considerado seu amigo. Todos, sem exceção, são seus inimigos. Nunca subestime um executivo mercenário. Poder e dinheiro formam como combinação afrodisíaca.

O único padrão conhecido de valorização das pessoas é o TER. Algumas vezes, confesso, sucumbi, passando por cima da minha crença no SER. O TER demonstra o quanto você vale no mercado. Nossa existência é calculada em reais ou dólares. Você precisa ostentar para que os outros saibam quem você é, o que tem, ou quem acha é: uma criatura importante, a ser reverenciada por possuir carros importados, relógios e roupas de grifes famosas.

De meu lado mercenário, o TER foi fundamental. Sempre foi difícil lidar com ele sem ceder à tentação. Qual a medida certa e a proporção adequada? De quanto precisamos para bancar a felicidade? Qual a cota de simplicidade e despojamento que suportamos? São perguntas que me perseguiram a vida inteira.

Aprendi que para construir fortuna teria que abater adversários. Tudo correu conforme o programado - na contabilidade dos bens patrimoniais e dos afetos.  Eu não sabia o que me aguardava nas casualidades da vida? Mas, numa das Deus-incidências que me perseguem ao longo da existência, o nascimento de minha filha, em 1978, me mostraria que eu era apenas gente, como todo mundo. E que minha arrogância de executivo não valia nada. Eu não era o super-homem que pensava ser. Nem o todo-poderoso incensado pelo elevado saldo positivo que eu tinha na conta do TER.

Com o falecimento de meu pai, eu receberia como herança a casa onde nasci e que havia sido construída por ele. Com a mãe coragem Mara, começaríamos ali o nosso trabalho missionário. Um desafio familiar da dinastia Sialyus, sem qualquer vínculo com o trabalho mercenário na empresa farmacêutica que ajudei a fundar.

Hoje, convivendo com crianças cegas, que ocupam grande parte da minha vida, aprendi que para elas a felicidade tem um sentido totalmente diferente daquele das pessoas com visão. Grifes, luxo, ostentação, joias, adereços não têm sentido. Não precisam deles para mostrar quem são ou quanto valem, em comparação com os seus concorrentes. Não se preocupam com o TER, satisfazem-se simplesmente com o SER. Ou como nos ensina Fernando Pessoa: 'Tudo o que fui, foi o que não tive'.

Todo empresário tem, sempre, de tudo um pouco: poeta, louco, aventureiro, uma boa dose de arrogância e pretensão. Nossa civilização cultua os vencedores e é implacável com os perdedores. Como todo empresário, eu também sempre me julguei um vencedor, até levar a célebre porrada do poema em linha reta:

Nunca conheci quem tivesse levado porrada
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo
E eu que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida.
Fernando Pessoa

Percebi, pela primeira vez na vida adulta que, além de louco, aventureiro e arrogante, eu era um ser humano como qualquer outro. Um provérbio oriental me ensinou que todo problema na vida nos é colocado por obra de Deus, para testar nossa capacidade de resolvê-lo. Aprendi com grandes marqueteiros que é justamente nos momentos de crise que aparecem as oportunidades. Aprendi com um grande empresário que, quando não temos nenhum problema na nossa empresa, é importante que criemos um. Ele pode ser a oportunidade que precisamos para refletir sobre os dois aspectos muito importantes em nossa vida e em nossa empresa: Onde estamos? Para aonde vamos?"

SEJA
mais em 2012!!!!


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